O que a imagem da babá (no dia do protesto) fala para as famílias brasileiras?

11:14:00




A história da babá fardada a empurrar o carrinho com dois bebês em pleno protesto no dia 13 deu o que falar. Li as mais diversas opiniões: os que acharam a cena opressora e os que, do outro lado, defenderam o trabalho e a honestidade como as bases para o julgamento correto. O patrão escreveu defendendo-se, alegou pagar salário em dia, tratar bem a funcionária (não como gente da família), e tudo o que vocês já sabem. 

A carta do homem responde satisfatoriamente a todos os esquerdistas que adoram jogar os pobres contra os ricos. Não há nada a acrescentar. Não há opressão, não há exploração, não há humilhação, nada disso. O que vemos é uma relação profissional, como qualquer outra, onde um é o que manda (a vida lhe fez assim, bom pra ele) e outro é o que se submete (da mesma forma, essa é a sua sorte, bom pra ela). O vídeo publicado da entrevista (confira aqui) feita com a babá mostrou como essas coisinhas são irrelevantes para a vida e para a felicidade. A mulher, pelo que me pareceu, estava de bem com a vida. Sua casa tinha tudo o que precisava para viver e mais um pouco: amor, acolhimento, paz, liberdade. A babá não era a oprimida, ficou bem claro.

No entanto, nossa incapacidade de perspicácia deixou passar a verdadeira razão que nos faz "sentir pena" de alguém nessa história toda. A imagem publicada é vista diariamente nos parques, nos consultórios, nas festas badaladas, nos shoppings, nas ruas mais nobres, nos condomínios. Todas as vezes que vejo, sinto uma pontinha de tristeza, não pela babá, nem pelo patrão ou patroa, mas pela criança. E precisamos abordar essa imagem levando em consideração o que realmente isso significa em termos de relações humanas, de família. Esse é um assunto que toca não somente as relações econômicas domésticas ou de diferentes classes sociais (prioridade nos discursos de esquerda), mas principalmente nos mostram um outro tipo de economia que deveria ser combatida nas relações humanas que é a economia dos afetos, que tem no movimento feminista suas bases.

Sei que falar disso, nesse momento, pode evocar os mais ardis sentimentos, mas não há oportunidade melhor do que essa para analisarmos a imagem com verdade e reflexão profunda.

A profissão de babá sempre existiu. Grandes e famosos homens como Winston Churchill, famoso autor, orador e político britânico, e Freud, o pai da psicanálise, foram criados por babás. Churchill deve sua formação à srta. Everest. Sua mãe o ignorava, e nas palavras do próprio Churchill, ele amava sua mãe "à distância". Para sua sorte, a srta. Everest o amou a ponto de discipliná-lo. Ele era incorrigível, como quase todas as crianças feridas e desesperadas por amor e afeto. Esta babá cuidava de suas doenças e ensinava-lhe a Bíblia na esperança de um dia ganhá-lo para Cristo. Para ela, ser babá não era simplesmente um trabalho, mas um chamado de Deus. Ela entendia a recomendação do apóstolo Paulo aos colossenses: 


"Vós, servos, obedecei em tudo a vossos senhores segundo a carne, não servindo só na aparência, como para agradar aos homens, mas em simplicidade de coração, temendo a Deus. E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens, sabendo que recebereis do Senhor o galardão da herança, porque a Cristo, o Senhor, servis". 

Já Freud teve uma babá espertalhona, que fazia-se de cristã enquanto roubava sua mãe. Dessa relação surgiram os vários pensamentos e teorias freudianas. Já sua irmã Anna Freud, teve uma babá católica a quem amava. A filha mais velha de Freud teve uma ama de leite e conta-se que a família Freud manteve relações com ela durante muitos anos*.

As diferenças entre o passado e o presente desses costumes são muitas, suas semelhanças, algumas. O ponto positivo no passado era que as babás frequentemente faziam parte das famílias. Não eram mulheres que iam e vinham, sem vínculos nem afetos com as crianças. Pelo contrário, elas se estabeleciam no lar e muitas se tornavam parte da família. A familiaridade era tamanha que elas tinham liberdade para disciplinar, instruir, abraçar, amar. As crianças que tinham a sorte de ter uma babá assim, quase não sofriam com a ausência das mães. Claro, como gente ruim e mal caráter sempre existiu e sempre existirá, as que iam para mãos de babás perversas sofriam, como sofriam as crianças de mães neuróticas e ausentes. Por isso precisamos lembrar que a responsabilidade recai primariamente não sobre as babás, mas sobre aqueles que se eximem de cumprir com seus deveres.

A lição é: crianças precisam de adultos para guiá-las e formá-las. Se os pais se ausentam, mas algum outro os substitui com graça, responsabilidade e amor, as marcas no caráter serão mínimas, ou quase nenhuma. E isso nada tem a ver com a relação profissional, mas com o dever moral e com a integridade pessoal dos envolvidos. Porém, a responsabilidade pessoal da babá não isenta os pais da negligência aos seus deveres. E esse é o ponto principal da discussão.

O pobre do Freud foi tão marcado pelo vácuo materno, vácuo que abriu brecha para a maldade de sua babá, que transferiu para suas análises clínicas aquela triste trajetória de menino. O complexo de Édipo, segundo Jim Swan**, "não apenas emerge das memórias de desejo agressivo e culpado, de um menino por sua mãe, mas também das memórias de sua dependência dela". Na verdade, a babá veio para ocupar o espaço ausente da mãe. Como diz Cixous, “ela é o buraco na célula social”***.

A imagem da babá fala mais do que relações empregatícias: fala da falta de afeição natural dos nossos tempos. Fala de uma geração que prefere o salão de beleza às brincadeiras na areia, que prefere os Smartfones às conversas na beira da mesa, que prefere o descanso ao envolvimento corpo, alma e espírito com os filhos gerados deles mesmos. A questão da foto, pra mim, mostra essa geração de homens e mulheres que cederam às pressões de um grupo egoísta, que pensa somente em termos de crescimento pessoal, carreira, salários, viagens, roupas, carros. Não, não é errado ter tudo isso. É bom e desejável. O errado é fazer a vida girar em torno das minhas necessidades pessoais e só. O errado é olhar apenas para o meu umbigo e fazer dele o meu universo.


A imagem da babá nos protestos é a que vejo diariamente. Quando vou brincar com meus filhos no parque, encontro uma dúzia de babás conversando. Raramente vejo as mães das crianças. Aliás, há algumas crianças que parecem não ter mães. Nem nas férias, nem nos finais de semana, nem nos feriados. Por quê? Porque, tal como a figura estampada nas manchetes dos jornais, essas crianças têm foguistas. E, a prática comum que observo é que essas foguistas raramente tem envolvimento afetivo com as crianças, visto que vivem mudando de serviço. Só para dar um exemplo, um dia encontrei uma agradável babá que trabalha em nosso edifício. Ela estava de folga, indo visitar seus parentes. Era um sábado. Então eu pergunto: "tudo bem? Como está fulana (a bebê de um aninho)?". Ela responde: "está bem. Dormindo ainda!". Eu digo: "ela deve sentir muito a sua falta nos finais de semana...". A babá responde: "Nem tanto... Ela tem uma foguista!". Pensei: Cadê a mãe dessa bebê? Será que permaneceremos cegos ao descaso desses pais para com seus filhos? Nem final de semana sobra tempo para cuidar dos seus próprios filhos, ou seja, deles mesmos? Eu não sei nada sobre a família dos envolvidos, mas podemos sim, refletir sobre essas melindrosas questões.

Os pais estão tão centrados em si mesmos que muitas vezes entregam seus bebes a pessoas que nem conhecem. Essa é a realidade. A impessoalidade cresceu de tal forma que a maioria dos apartamentos hoje com crianças aos cuidados das babás tem câmeras. Não moramos mais em casas, mas em ambientes confinados, vigiados a todo instante, e essa é a forma que os pais modernos encontraram para demonstrar amor e cuidado pelas suas ingênuas criancinhas. Eu lamento dizer, sei que pode soar duro, mas pais que agem assim reforçam ainda mais o vazio de amor e o tamanho do orgulho em seus corações maldosos. Além de se eximirem dos seus deveres afetivos, ainda tornam as relações meramente empregatícias, comerciais. Claro, isso daria outra reflexão. As mudanças não aconteceram de ontem pra hoje. Sei que o pensamento liberal contribui muito para essa guerra entre empregados e empregadores, mas ainda acho que podemos fazer diferente. Podemos assumir a parte que nos cabe.

Vínculos afetivos são essenciais na infância e quanto menor for a criança, mais esse vínculo precisa ser firme, duradouro e seguro. Isso não é novidade pra ninguém. Mas, pelo que vemos, as preocupações são apenas sintomas de um elevado amor por si mesmo. Babás, creches, câmeras na casa, tratamentos médicos inusitados são apenas formas de exprimir o quanto se é egoísta e sem amor.

Mães, os hormônios maternais foram postos em você e não podem ser transferidos por um contrato de prestação de serviço. A alegria que nossos filhos sentem por estar conosco não é a mesma que sentem quando estão com outros. Já cansei de ouvir relatos de babás nos parquinhos... São relatos de partir o coração. Mães que saem de casa com as crianças dormindo, e quando largam do trabalho ligam para saber se "já dormiram, esses pequenos incômodos". Uma mãe disse à babá: "quando eles dormirem, ligue para mim. Vou ficar dando voltas no quarteirão".

O vídeo abaixo mostra como as empregadas/babás sabem mais sobre as crianças da casa do que os próprios pais!



Conversei com a pediatra dos meus filhos e ela me confirmou tudo isso. Disse-me que há mães que não sabem absolutamente nada sobre seus filhos. Muitas delas estão bem vestidas, de salto alto, bem produzidas, malhadas e bem sucedidas. Os filhos, no entanto, são apenas mais uma realização pessoal que não podem jamais atrapalhar suas vidas pessoais. Sim, e no dia das mães elas estarão lá, na primeira fila, emocionadas com as homenagens. Não, isso não está certo. As homenageadas deveriam ser as empregadas, ou as babás, ou as avós. Menos elas. Esse tipo de atitude me dá nos nervos. Desculpem minha sinceridade, mas é que não dá pra aguentar tanta hipocrisia.

A imagem desta semana não causa revolta pelo trabalho da babá, nem porque é um rico que a está empregando; também não é a farda ou a cor da pele, mas porque eu vejo diariamente crianças órfãs de pais vivos, trocando de funcionárias a cada três meses. Causa revolta porque já vi essa imagem inúmeras vezes nos consultórios, enquanto meninos gritavam, pulavam e quebravam tudo, suas mamães comodamente sentadas exigiam de suas babás uma atitude. A roupa branca não é o problema. O problema é achar que é uma boa mãe porque compra farda branca para a moça que cuida do seu filho. Esse é o problema. É mais importante, para essas mães, a higiene da roupa da babá e sua compostura, do que a higiene do seu filho e a afetividade que ela deveria transmitir-lhe. 

A imagem me incomoda não porque é um trabalho de opressores e oprimidos, mas porque é um trabalho que gera um ciclo de transferências de responsabilidades nada saudável: a patroa contrata a foguista para fazer a sua tarefa, a foguista aceita porque precisa de dinheiro, e é forçada a deixar sua filha com terceiros, às vezes, nenhum pouco confiáveis. Esse ciclo me incomoda sim, porque mais e mais crianças são expostas à violência, aos maus tratos, aos descasos.

Por que ignoramos esses assuntos? Porque não queremos encarar a realidade, a verdade sobre nós mesmos e nossas más condutas. Estamos tão ocupados debatendo questões sobre educação, política, economia que não vemos a causa dos verdadeiros problemas da nação: lares vazios de adultos, frios nos afetos, carregados de relações meramente empregatícias. Não podemos limitar as análises às questões públicas, apenas. As coisas entram em choque aqui, pois de que que adianta falarmos sobre a democracia, a liberdade, o respeito, a dignidade da pessoa se deixamos nossas crianças num vai-e-vem emocional de relações rápidas, sujeitas às doenças contraídas nas creches e escolinhas? Que adianta vestirmos verde e amarelo e gritarmos contra os corruptos, quando nossos filhos estão entregues a todo tipo de influência maléfica, e nem ao menos nos preocupamos com o que eles pensam, falam e são? Que adianta exigir melhor administração da coisa pública se eu não administro o que é meu com responsabilidade, olhando a verdade do jeito que é?

Não basta pagar em dia. Não basta ser trabalhador. Não basta ser honesto. É preciso cuidar pessoalmente do que é seu. É preciso cuidar da sua prole, se quer ver realmente um Brasil melhor. Acho que esse é um bom momento para refletirmos não só como nação, mas como pessoas. O mal público nada mais é que o mal pessoal em grande escala. Olhemos para trás, vejamos onde erramos. A política muda, a sociedade muda, os costumes mudam, mas as crianças continuam crianças. Elas continuam carentes dos afetos dos seus pais, pois nós ainda somos insubstituíveis.

Ficar em casa, cuidar dos filhos não é tarefa para oprimidas. A polêmica em torno da figura da babá representa justamente esse preconceito feminista: o trabalho doméstico é inferior, sem valor. No dia 8 de março ouvi uma feminista a falar sobre isso. Ela criticava a forma como a opressão machista continuava quando mulheres contratavam outras mulheres para fazerem seus serviços domésticos. Assim, elas claramente defendem que o serviço doméstico é inferior em valor. Antigamente era a mulher que precisava se libertar, hoje precisamos libertar as que substituem essas mulheres em casa. E quem ficará com nossas crianças? Os pais? Contrataremos homens para cuidar dos bebes? Opa, e isso não será também opressão? E de quem são as crianças? Se continuarmos, não chegaremos a um pensamento razoável, nem a uma solução para o problema. Esse sistema é ineficaz. A mente sem amor é uma mente sem razão. É insana, gira em círculos viciosos do egoísmo. 

Esse assunto não é politicamente correto, eu sei. Não queremos falar nisso porque sabemos que chegaremos a verdade sobre nós mesmos. E então, abraçamos ideias vagas, reproduzimos modos de vida sem antes captarmos o espírito que rege as famílias em colapso. Em geral, quando agimos assim, superficialmente, nos tornamos vítimas de confusão mais tarde. Confusão como esta da foto.

Por isso, busque a verdade. Somente ela pode libertar e dar luz às suas trevas. Quando a buscamos em sinceridade, não poupando a nós mesmos dos desagrados, experimentaremos uma solidez diante das mais fortes contradições da vida. Escolha amar, escolha pensar por si mesmo. Liberte-se do que pensa a maioria, e deixe que pensem o que quiser de você. Preocupe-se apenas em ser coerente, íntegro e faça com que sua passagem por aqui valha a pena. 
A verdade pode não ser agradável, mas traz alívio quando decidimos estar ao lado dela.

Que sintamos prazer de estar na companhia dos nossos filhos e que não nos aborreçamos com o trabalho que dão. Garanto: o Brasil será um lugar melhor quando entendermos que filhos são necessidades mais urgentes, não importa quão urgente sejam os seus planos.

Lembremo-nos: Deus revelou seus intentos a Abraão porque sabia que ele haveria de ordenar a seus filhos e à sua casa depois dele, para que guardassem o caminho do Senhor, para agir com justiça e juízo (Gn 18.17-19). Sim, deste homem e de Sara, sua mulher, surgiria uma grande e poderosa nação que abençoaria todas as nações da terra, inclusive o Brasil. Sigamos, pois, o exemplo do nosso pai Abraão. Estejamos na porta da nossa tenda, vigiando sua entrada. Os que assim fazem, receberão do Senhor a Sua recompensa.


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Adna S Barbosa, mãe e esposa.



  • Veja o nosso álbum sobre a maternidade:


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http://www.scielo.br/pdf/cpa/n29/a04n29.pdf
**SWAN, Jim. Mater and Nannie: Freud’s two mothers and the discovery of the Oedipus Complex. American Imago 31 (1), Spring, 1974.
***(Gallop, 1992:144)




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