Ontem, após um delicioso almoço em família, minha caçula desejou comprar um picolé com o dinheiro que ganhara de presente no seu aniversário. Ela sabe que normalmente não compramos picolés em restaurantes porque os preços são sempre superfaturados. Mas ela estava com dinheiro e desejo, e pouco importava o que aconteceria a seus irmãos que estavam bem ali ao seu lado.
Agora, imaginem a cena: ela compra seu delicioso picolé, abre-o lentamente lambendo os beiços, e depois morde cada pedaço lambuzando-se toda. Seus irmãos, vendo aquela cena, morreriam de desejo. Esse desejo poderia até mesmo fazê-los duvidar da bondade dos seus pais que acabaram de dar-lhes bom alimento para saciar a fome.
Chamei minha filha e disse: "você não vai comprar, filha. Não é porque temos dinheiro para comprar as coisas que gastaremos com o que desejarmos. Precisamos olhar em volta e sentir a necessidade do outro. Se minha escolha acentua a limitação do meu irmão ou se de alguma forma o privo do meu bem, então é mais sábio não adquirir. Não podemos fazer nossos irmãos tropeçarem no mandamento que diz: 'não cobiçarás'".
Eu também aprendi a lição. A mesma situação acontece entre os irmãos em Cristo. As boas condições financeiras que Deus dá a alguns não são para serem esbanjadas. O picolé era caro demais. Há picolés por toda a parte capazes de satisfazer o desejo sem que acentuem as diferenças entre quem pode e quem não pode. Da mesma forma, podemos viver bem, nos vestir bem, ter o que é necessário sem que venhamos a provocar a inveja ou cobiça do nosso irmão.
Não precisa ser Louis Vuitton nem Prada, basta que seja bonita e útil. A marca, neste caso, não interfere na utilidade final do produto; é o preço que atrai os corações avarentos. Estas e coisas semelhantes a essas não deveriam tomar parte importante do nosso precioso salário. A regra vale para toda aquisição ou hábito que acentue muito mais do que atenue as diferenças.
A mensagem do Evangelho de Cristo é a da identificação. Jesus se identificou com nossas dores e humilhação. Não foi o esplendor de glória, o ouro, as vestes caras, os jantares e as festas dispendiosas que marcaram as escolhas de Jesus aqui na terra. Sua vida foi feita de dor e de limitações como somos nós. Ele tornou-se igual, acabando com as diferenças. Na Igreja, devemos ter esse mesmo sentimento que houve em Cristo, identificando-nos com nossos irmãos, diminuindo as diferenças.
Me preocupa ver como ignoramos esta verdade da identificação com o corpo de Cristo. Tiago falou sobre o privilégio dado aos ricos em detrimento dos pobres na igreja, Paulo mandou que os nossos costumes fossem sem ostentação, Jesus - ah, Jesus! - disse que a vida do homem não consiste na abundância dos bens que possui. O povo que caminha para o céu é, por natureza, humilde, pois "não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes" (1 Coríntios 1:26,27).
Como está a nossa identificação com este povo que é também nosso? Caminhamos de mãos dadas ou o salto é alto demais que nos impede de olhar olho no olho, caminhar lado a lado?
Indústrias de lazer, moda, bens e eventos (casamentos e festas de 15 anos especialmente) estão aí à solta para que façamos nossas escolhas. Lembremo-nos: "Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas; mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas" (1 Co 6:12). Há coisas que não são proibidas, mas nem por isso deixam de ser pedra de tropeço para mim ou para outros. Há atitudes ou escolhas que não se encaixam necessariamente na categoria de pecado, mas ocupam a categoria do que não convém. E para o crente o "não convém" carrega um peso na hora da escolha. Precisamos ter cuidado para que aquilo "que é bom para nós não se torne motivo de maledicência", como disse Paulo. Ele também disse que devemos nos esforçar para promover tudo quanto conduz à paz e ao aperfeiçoamento mútuo. Há coisas que se tornam um mal se alguém vir nisso um motivo de escândalo. "É melhor não fazer qualquer outra coisa que leve o irmão a tropeçar" (Rm 14:5-19). Isso é identificação! É andar em simplicidade, em modéstia.
Em tempos de exposição exarcebada e facilidades de consumo, a verdade da identificação com o corpo de Cristo reveste-se de maior importância. Carros luxuosos, joias e roupas caríssimas, eventos nos quais grande soma de dinheiro é enterrada numa noite causando espanto até aos anjos, não deveriam encher nossos olhos. As pessoas do mundo buscam todas essas coisas, mas nós buscamos o que é do alto.
Está na hora de pararmos para refletir sobre nossos hábitos de consumo, pois Deus se importa com isso também. Tanto é que Ele deixou as riquezas do céu para fazer-se como um de nós e, estando aqui, nos ensinou muito sobre as riquezas.
Picolé é bom quando não me dá excessivo destaque. Picolé é gostoso quando não faz o meu irmão pecar. Picolé é mais gostoso quando é compartilhado. Quando você se lambuza demais com algo que o Pai deu somente a você, seu irmão pode ser induzido a duvidar da bondade de Deus. E isso é sério. Isso escandaliza. Isso pode tirar do céu.
Portanto, pense antes de comprar o seu picolé.
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Adna S Barbosa