Greve, devemos apoiar?

18:35:00



Que bom é ler a Bíblia e estudar a história por trás dos fatos narrados, fatos que serviram de pano de fundo para as declarações mais ambíguas a respeito da vida civil daquele tempo.

É curioso ver como não há um interesse particular da Bíblia nas questões de cunho político de uma forma explícita. Ela se limita a dar as diretrizes gerais, mostrar o modo como deve viver o cristão. Eu entendo que tal omissão existe para que apliquemos seus princípios em todo o tempo, debaixo de qualquer governo.


No tempo em que os evangelhos foram escritos, Israel estava enfrentando um tremendo conflito político. Forças romanas tentavam aplacar o espírito dos rebeldes judeus, culminando na catástrofe judaica de 70 dC. A briga era justamente a respeito de questões tributárias. Os judeus achavam injusto dar tributo a Cesar das coisas sagradas. Mas em todos os evangelhos vemos uma clara indicação de que a rebelião dos judeus não foi apoiada nem por Jesus nem pelos seus apóstolos, posteriormente.

A leitura dos evangelhos nos mostram que, longe de enfatizar a rebelião, Jesus veio para promover uma ordem social diferente da que os judeus pretendiam. Mesmo enfatizando sua superioridade a Pilatos, ele resumiu a si mesmo em poucas palavras, sem nada que indicasse desobediência. Tanto que depois do encontro, Pilatos cogitava soltá-lo, mas temeu justamente aos rebeldes judeus.

O Novo testamento e os escritos seguintes concentram-se em instruir todos aqueles que por causa do Evangelho teriam suas vidas civis totalmente mudadas. Ah, como é transformador! Quanto perdemos por não lermos as sagradas letras examinando-as diligentemente, extraindo as lições necessárias para nossa vida hoje!


O QUE ISSO NOS ENSINA HOJE?
É impressionante ver os cristãos (protestantes ou não) embarcarem na onda desses novos messias que estão por aí proclamando a libertação do Brasil pelo porte de armas, controle de natalidade, discurso de ódio etc. E antes de me julgarem, eu não sou e nunca serei a favor das ideologias de esquerda nem do linguajar que usam. Mas a verdade é que estou envergonhada do cristianismo atual, cheio de rancor, ódio, desordem, em nome da ordem.

O queridinho dos evangélicos e de todos os outros ramos do cristianismo já se posicionou a favor da greve. E, como manada cega, muitos estão indo atrás dele, esquecendo os princípios eternos que os regem. Ainda não consigo entender como alguns verdadeiros seguidores de Jesus apoiam tal baderna com a justificativa de que não devemos nos calar diante da opressão e do mal. São como aquele discípulo no jardim do Getsêmani, prontos para usar suas espadas para ferir os que praticam a injustiça. Mas Jesus disse: "guarda a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão". Ou, as armas que usamos contra injustiças não são carnais, ou, no mínimo, não são convencionais.


Em que lugar desta jornada nos perdemos a ponto de esquecermos verdades tão cristalinas da vida cristã? Nada foi tão ruim para o cristianismo do que aquele momento em que o evangelho precisou da ajuda do poder político para impor a visão do reino de Deus no reino dos homens. Não estranhemos se os "conservadores" da nossa nação começarem a apoiar a vingança em nome da moral, a guerra em nome da aniquilação do mal, dizimando todos aqueles que julgam perniciosos.

Numa situação caótica qualquer oportunista um pouco mais hábil no falar consegue enganar os desesperados. A crise de liderança no Brasil mostra quão longe fomos no nosso afã de constituir para nós mesmos "salvadores" vãos. Foi Collor, foi Lula e agora tem uns aventureiros com espirito de messias, e há muitos, muitos adeptos. Esses representantes da ordem e da moral erguem a bandeira da cruz enquanto se curvam aos seus ídolos, ou enquanto permanecem com suas vidas enlameadas no pecado. O que vejo é que a conversão de alguns não passa de manobra política para preencher um grande vácuo de liderança entre os cristãos confessos.

A evidência de que muitos cristãos estão iludidos está nos seus próprios discursos em favor dessas figuras emergentes. Eu já encontrei alguns bons cristãos justificando a separação conjugal por razões banais e recasamento daqueles que apaixonadamente seguem. E - pasmem! - ouvi também quem dissesse que errados eram os caminhoneiros que não aderiram à greve! Não estranhe se daqui a alguns dias o preto for branco e o amargo se tornar doce na bocas dos fiéis. Tenhamos cuidado para que não pratiquemos em nome do cristianismo as mesmas coisas que havemos sofrido.

Imposição totalitária da piedade ou da justiça sobre uma sociedade parece ser tão impiedosa quanto as tentativas de eliminação do bem por parte dos maus. "A coerção não pode ser bem-sucedida, porque ela NUNCA pode mudar os corações dos homens", disse o bom e velho Dave Hunt.

O Reino de Cristo não tem força aparente. Ele nasce dentro de cada de nós. Da mesma forma, a justiça não nasce das revoltas, nem do uso da espada, mas de uma mente renovada e sã, convicta do seu propósito neste mundo. Precisamos de mais "Cristos", de mais homens e mulheres que abram os entendimentos dos que andam nas trevas. Nossa missão aqui é esclarecer mentes e elas não se conquistam com a força do braço.


Se o meu cristianismo não me faz agir como Jesus, já não resta esperança para o mundo. Eu acredito que como cristãos nós temos um posicionamento diferente. E eu não quero bancar a certinha nem nada disso. Mas não há como separar nossa fé e valores da vida que levamos em sociedade. Ainda que o mundo tenha as suas próprias leis, nós temos princípios eternos. Se nos apoiarmos na história do cristianismo, veremos que o legado de Jesus repercutiu em toda atitude civil dos seus seguidores. E a forma como cristãos venceram impérios foi colocando em prática o altruísmo, a fé na provisão de Deus, na ordem criada, no amor e consideração pelo outro, ainda que esse outro fosse inimigo. Jesus não ofereceu resistencia ao mal, mas atraiu as pessoas pelo seu trabalho e força de caráter.

Não consigo pensar em Jesus fechando as estradas, promovendo a desordem no país, atingindo os inocentes. E já que estamos num grupo de seguidores dEle, devemos deixar um pouco o senso de justiça própria para pensar na totalidade da nossa vida, se vivemos de fato os valores que pregamos, ou se seguimos a visão de mundo atual.

Eu já posso ouvir alguém me respondendo: "não misture reino de Deus com o reino dos homens". Não estou misturando. Estou apelando para a história, mostrando como vencemos o mal construindo grandes nações com poder econômico de dar inveja a qualquer outra nação não-cristã. O grande problema é que estamos consumindo tanto essa política nojenta do mundo que esquecemos quais os valores que nos regem. O fim é a decepção. Infelizmente.

Não vejo em lugar algum da Bíblia, em nenhum momento da história (antigo e novo testamentos) um incentivo à rebelião. Com Faraó, no Egito, Deus os instruiu a agir de forma pacífica. Ele mesmo tomaria a vingança, não o povo. Nem mesmo no cativeiro Deus disse para que resistissem. O profeta Jeremias sofreu porque dizia para seu povo se render a Nabucodosor ao invés de lutar. Com Jesus foi o mesmo. Nunca aceitou os convites para desestabilizar o império romano. Paulo e Pedro instruíram os crentes a se submeterem e a só desobedecer (de forma serena) quando o assunto envolvesse renunciar a fé. O grande problema da destruição de Jerusalém pelo general Tito residiu exatamente na rebelião dos judeus, já orientados por Pedro a que não agissem assim. E olhe que cada déspota desses era milhões de vezes pior do que os corruptos do Brasil.

Não vejo fundamento cristão para apoiarmos essa bagunça que está atrapalhando a ordem. Somos servos de Deus e prezamos pela ordem em todas as instâncias.

O crente não deve estar ansioso, não deve confiar no seu próprio braço, mas deve aprender a depender de Deus. É por isso que não concebo um reino humano ideal. Somos e sempre seremos diferentes de tudo o que está aí.

João Batista foi interrogado a respeito de salários baixos e injustos, Jesus, a respeito dos impostos, duas questões que nos deixam o exemplo de como agir num momento de governo injusto e opressor. João disse aos soldados: "E ele lhes disse: Não peçais mais do que o que vos está ordenado. E uns soldados o interrogaram também, dizendo: E nós que faremos? E ele lhes disse: A ninguém trateis mal nem defraudeis, e contentai-vos com o vosso soldo" (Lucas 3:13,14). E a resposta de Jesus vocês já sabem. Por favor, vamos alinhar mais nossa fé com nossa vida em sociedade. Assim seremos sal da terra e luz do mundo.


Há mais de 10 anos eu lancei um desafio a mim mesma de não mais ler a Bíblia rotineiramente, para cumprir metas ou para seguir uma tradição ensinada pelos meus pais. Eu firmei no meu coração fazer da sua meditação a minha instrução para a vida prática, fazer das suas letras, a lei suprema em minha vida. Confesso também que não tem sido fácil. Cada vez que a leio, sinto que parte de mim precisa ser arrancada, que meus pensamentos lutam contra Sua verdade, que meu corpo acha tudo aquilo muito chato. Mas, cada vez que obedeci pela fé, experimentei do gozo que é descobrir que TUDO o que ali está escrito é a verdade e, o melhor, que é totalmente aplicável às nossas vidas hoje.


______________
ADNA S BARBOSA

You Might Also Like

0 comentários

Visualizações

Like us on Facebook

Flickr Images

Subscribe