A BICICLETA, O PROFESSOR E O MENINO.

07:25:00



Alguns dias na semana, nós gastamos nossas tardes em lugares públicos, brincando, fazendo alguma atividade física, ou simplesmente “fazendo” nada. Nessas nossas saídas, tenho observado muita coisa sobre a vida insana que a maioria das pessoas leva. Mas o que mais me tem perturbado é encontrar, quase todos os dias, um professor de bike a ensinar crianças entre 5 e 12 anos.

A figura é patética: o professor, os pais, as babás, as crianças, ninguém parece interessado e todos fingem estarem envolvidos num grande evento na vida daqueles pequenos incômodos chamados crianças. Já vi mãe malhada trazer sua menininha e entregar ao professor tatuado, cheio de piercings e com roupa colante, retirando-se para longe, para cultuar seu corpo. Já vi pai de menino de 12 anos, sem nenhuma vergonha, entregar o garoto quase homem para aquele mesmo professor, e depois sair feliz como se fosse o melhor pai do mundo.

Nos dias da semana, quase não vemos crianças por ali. As únicas que frequentam aquele lindo e livre espaço estão ali para estudar! Elas não podem sair correndo, não podem cair, não podem subir, espojar-se no chão, brincar. Todas as outras crianças estão mantidas devidamente encarceradas nas escolas das redondezas. Eu até encontro, vez por outra, uma criança aqui e outra ali. Normalmente, são meninos e meninas que fugiram da escola e estão ali dando um jeito na sua solidão.

Hoje eu vi um garotinho de uns 6 anos com sua babá e o professor. De longe, via-se o menino fugindo tanto da babá como do professor. Ambos, com cara de tédio, tentavam fazer com que aquele menino deixasse a teimosia e resolvesse fazer a “aula”, devidamente paga pelos papais ocupados. Quando me aproximei, ouvi o professor dizer: “Não adianta você esvaziar os pneus da bicicleta. Eu tenho uma bomba de encher aqui”.

Que patético! Um professor esperando para trabalhar, uma babá devidamente registrada e perfeitamente consciente dos seus limites e, por isso mesmo, complacente com as atitudes daquela criança. Afinal, ela é paga para cuidar da segurança, higiene e bem-estar da criança e nada mais. E a terceira figura, que é a que mais me dói ver, o pequeno garoto terceirizado, carente, abandonado, entregue a toda sorte dos seus maus desejos.

Não duvido que os pais dessas crianças estão, em algum lugar, supostamente trabalhando por amor daquelas crianças. Eles se acham os pais mais guerreiros do mundo, verdadeiros heróis dos seus filhos. Mas, se amassem suas crianças, desejariam estar com elas, aprender com elas, tentar e errar quantas vezes fossem necessárias até construir sólidos alicerces para os desafios da vida. Equilibrar-se na bicicleta não é tão difícil assim, mas também não se consegue sem persistência diante dos fracassos. Quando desistimos de aprender na infância, perdemos os melhores anos para o desenvolvimento dessa habilidade. Os pais daquelas crianças não querem deixar passar esse momento sem que aprendam o que é sentir-se livre ao pedalar numa bicicleta. Eles só esquecem de que o mesmo tempo corre para eles. A educação das tenras crianças nos ensina o equilíbrio, nos torna fortes a cada queda e tentativa de acerto. Desistir disso é desistir de sentir a liberdade de ter aproveitado cada minuto na companhia daquelas criaturas teimosas. Não, eu sei que não é fácil aprender a andar de bicicleta. Às vezes dá raiva, às vezes bate um desânimo. Mas com muita vontade, conseguimos e só os que conseguem podem dizer: “valeu a pena”.

Criar filhos vai lhe dar trabalho, vai lhe fazer cair, vai expor seus melhores e piores sentimentos. Criar filhos vai exigir de você disciplina e tempo para aproveitar os melhores anos de incutir as verdades na mente das crianças. Mas o sacrifício vai valer a pena. A liberdade compensará o esforço. O vento soprando nos cabelos, a percepção que podemos correr com velocidade pelas nossas próprias pernas é como nos sentiremos quando experimentarmos a alegria de trazer conosco os molhos que, outrora, levamos a chorar. Veremos que aquelas pernas trôpegas e que tantas vezes nos fizeram cair serão as mesmas que nos manterão firmes diante dos desafios.

Aquelas cenas despertam em mim lembranças da minha infância, da minha casa, dos meus pais. E eu sinto saudades dos tempos em que pais e mães seguravam nas selas e corriam com suas crianças para depois soltar e vê-las tombar até sair correndo pela estrada afora! Vou um pouco mais longe e sinto saudades do tempo em que peguei minha bicicleta e, sozinha, aprendi a pedalar, caindo e levantando, rachando os joelhos e desafiando meus próprios limites! Que eu não queira ser melhor que meus pais! Que eu não queira ser tão boa a ponto de me tornar supérflua!

You Might Also Like

0 comentários

Visualizações

Like us on Facebook

Flickr Images

Subscribe