70 anos do meu pai

14:53:00

 




Hoje ele faz 70 anos. Que idade! Jamais pensei que chegaríamos a esta data. Na minha mente de criança, Jesus voltaria antes. Mas Ele não voltou. Ele queria me ensinar algumas coisas antes de nos levar aos céus. E quantas coisas aprendi!

Meu pai também não pensava que chegaria a esta idade. Ele sempre foi muito tranquilo com essas questões de morte, afinal, é muito convicto do que lhe espera após túmulo. Mas nunca gostamos de ouvir suas histórias sobre quão breve seria sua vida. Eu, de tanto ouvi-lo falar sobre o desejo de estar com o Senhor, elaborei uma oração para negociar com Deus a sua ida ao céu. Eu sempre a usava no final de todas as orações, inclusive daquelas que fazia antes das refeições. Era mais ou menos assim: “Senhor, não deixe que meu pai e minha mãe morram, nem eu nem todos aqueles que eu amo, mas que todos nós sejamos arrebatados. Em nome de Jesus, amém!” Pronto. Jesus não poderia negar um bem à sua filha que pedia longa vida para seus pais. Não sei quando parei de orar assim, acho que foi depois dos 20. Ainda me pego orando assim vez por outra. Mas imagino que parei quando passei a compreender que a vida eterna é infinitamente melhor do que a daqui, e que as palavras do meu pai eram mais nobres do que meu desejo e minha oração.

O certo é que Deus ouviu e aqui estamos nós comemorando 70 anos deste homem que inspirou minha vida, moldou meu caráter, foi o meu primeiro e fiel amor.

Pai, hoje o senhor é um homem velho. A realidade presente talvez esteja mesclada com os sonhos do passado. Imagino que quando dirige pela cidade, quando passa pela 17 de agosto e observa a Mc Donald no antigo lugar daquele pequeno apartamento no qual nasci, quando passa pela rua Tabaiares e vê nossa antiga casa completamente mudada, quando dobra na rua Paula Batista em direção à av Norte, muitas lembranças surgem: lembranças de um passado difícil, de muito trabalho para sustentar 7 mulheres, protegê-las do perigo, dos homens maus. Sair de casa todos os dias e deixar minha mãe conosco era a ação mais corajosa e ousada de um homem que entendia que sua força estava na responsabilidade do seu dever.

Ao retornar a estes lugares, o senhor encontra mudança. Talvez sinta falta de algumas paisagens destruídas, dos lugares onde outrora, conosco, passamos muitas horas de verão. Belas construções surgiram, a paisagem mudou, mas há outras mudanças, pai, além destas que marcaram a passagem do tempo. Mudanças que tornam aquelas outras pequenas, que as fazem afundar na obscuridade em comparação.

Na sua infância, o senhor assistiu às vidas que passaram do berço ao túmulo. Quase todos os dias a vida mostrava como era frágil e incerta. Ali o senhor viu que muitos provaram que todas as promessas dos primeiros anos foram vãs. Mas há outras mudanças mais importantes. Enquanto crescia, pensamento e sentimento assumiram formas novas e estranhas, mas, graças a Deus, também cheio de vislumbres da felicidade.

A prosperidade coroou sua labuta, pai. Os corridos anos entre um estado e outro produziram o fruto doce de uma vida completa, cercado por aqueles pelos quais doou toda sua existência. O senhor viu ricos sendo abatidos, homens de grande inteligência precisarem de um pão. O senhor viu também pobres sendo erguidos, tímidos adquirindo fama e ignorantes alcançando honra. O senhor viu que cada uma daquelas firmes resoluções que tomou diante de Deus para o bem da nossa formação foram confirmadas pelo Senhor. O riso dos incrédulos, a zombaria dos soberbos, a dúvida dos inconstantes, a fúria dos inimigos provaram ser uma fumaça diante da grandeza da fidelidade de Deus. As esperanças destes, que uma vez espalharam suas folhas alegres para os ares ​​- foram arruinadas e dispersadas pelos ventos frios da adversidade.

Por onde passa, onde quer que haja vida, há histórias para agitar o coração e abrir as fontes de lágrimas. Foi no antigo aeroporto dos Guararapes que essas fontes se romperam, quando sua filha mais velha o deixou para morar bem longe. Desde então, sua vida foi feita de lágrimas pelas alegrias e perdas daquelas para as quais doara todas as suas forças. Nós, suas seis filhas, destrancamos essa fonte com nossas escolhas desobedientes, nossa teimosia, nossa ingratidão. Mas não somente essas, mas aquelas conquistas da obediência, da fidelidade, do amor sincero pelo Deus que nos apresentou quando éramos crianças. Desta mesma fonte também brotaram as lágrimas de esperança numa nova geração que surgia, meninos e meninas que alegraram e alegram seu coração de avô.

A vida real é estranha, muitas vezes, mais estranha que a ficção. O senhor nunca foi um amante das ficções, mas um apaixonado pela vida real. Os incidentes na vida real são os que te comovem, e te impulsionam as emoções. Com sua idade, os fatos da vida presente talvez não mais te surpreendam e até te façam pensar sem muita emoção sobre o que está acontecendo ao nosso redor. Isso porque o senhor sabe que o que vemos é apenas a superfície. Diferente da ficção, na qual a mente e o coração dos homens são revelados, não podemos conhecer sentimentos e intenções daqueles que encontramos diariamente. Não podemos ler neles as esperanças e os medos que os excitam ou deprimem, não percebemos as histórias vivas de paixão e emoção humana que despertariam nossas simpatias! Tudo isso, no entanto, está escondido de nossos olhos. E é apenas quando o presente se torna o passado - que nos é permitido levantar o véu e olhar para a realidade abaixo.

Rostos bonitos tornam-se enrugados, homens brilhantes caem no ostracismo. Algumas esperanças zombam dos homens quando se frustram e esmagam as afeições. A voz que prega eloquente, um dia vai falhar, os passos que andam elegantemente, um dia vão tremer, os braços que sustentam o peso, um dia vão doer e alguns amores vão morrer em vida.

Pai, eu sei que algumas de suas felicidades foram destruídas por pessoas indignas. Como pai, o senhor zelou por cada uma de nós e, sobre nosso coração, suas melhores afeições foram derramadas como água. Talvez a dor tenha sido incalculável em cada perda. Sei que em cada esperança frutada seu coração quebrou-se, contraiu-se lenta e de forma torturante, dia após dia, semana após semana, mês após mês e ano após ano, olhando e ansiando pela hora em que o profundo silêncio da sepultura te traria paz - a doce paz.

Mas pai, observe agora as mudanças que ocorreram e conte as esperanças que foram como palha ao vento. Em meio a toda essa mudança e decepção, há muito para agitar o coração com sentimentos de prazer e gratidão. Um único exemplo vou relatar:

Lembre-se do homem que tinha seis filhas, para as quais deu a melhor educação possível. Lembre-se de quando seus negócios começaram a piorar e tudo parecia passar pelos seus dedos como água. Aquela situação quase o deixou prostrado. Mas, aquelas mulheres pelas quais dera sua vida, ergueram-se e unidas com ele, continuaram a viver na esperança de dias melhores. A força da tempestade foi aos poucos sendo quebrada.

Por causa daquele homem, elas estavam preparadas para o pior. Elas suportariam uma nova condição. Elas estavam preparadas para enfrentar a mudança com corações corajosos e verdadeiros. E foi assim. Esposa e filhas entraram em campo e juntos enfrentaram a dificuldade. Elas aprenderam a amar, a lutar, a vencer, porque ele as ensinara com sua vida o valor do esforço.

Pai, esse homem é o senhor. Nunca o senhor será um fracassado enquanto tiver uma esposa e seis filhas para te amar! Esperamos que a evidência do nosso amor pelo senhor compense todos os sofrimentos que as mudanças das circunstâncias desta vida te infligiram.

Obrigada por nos dar o ninho mais macio e quente do mundo, onde o amor foi nosso único abrigo.

Obrigada por ser este homem de vida pura e imaculada, cujo caráter está acima de qualquer suspeita, cujo nome será sempre uma honra e um orgulho para nosso lar.

Obrigada por amar nossa mãe como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela. Obrigada por amá-la com o amor de servo.

Obrigada por nos amar e nunca nos causar dor. Sei que não foi fácil em todos os momentos manter tal constância e tal compostura neste amor para conosco, pois nós somos muito falhas. Mas sua afeição nunca se cansou nem falhou por um instante.

Obrigada por não nos negar os mandamentos divinos na construção do nosso lar e por não delegá-la à minha mãe. O dirigente era sempre o senhor e isso foi a maior prova de sua masculinidade. Obrigada por se lembrar sempre do privilégio que é suportar a parte pesada dos fardos da vida.

Obrigada por prover nossa casa com comida, roupas e outros confortos. Sua vida forte foi o nosso abrigo seguro sob o qual minha mãe e nós, suas seis filhas, puderam permanecer em segurança.

Seu caráter é, pai, revelação contínua do amor, verdade e santidade de Deus. Através de sua vida aprendemos, dia após dia, a conhecer a beleza de Cristo. O senhor é o sacerdote do nosso lar e, como tal, fala com Deus por sua família e fala conosco por Deus. Por meio do senhor, bênçãos chegaram à nossa casa todos os dias.

Não quero reter as calorosas palavras de amor que estão em meu coração, pois não quero esperar pelo dia que seja tarde demais para que elas sirvam de alento. Em breve, as separações virão. Então, toda palavra amarga proferida e toda negligência do dever do amor serão como um espinho no coração. Quero falar as palavras neste momento para não ter que enfrentar a dureza do silêncio tímido, pois não quero prestar contas dele. Sim, prestaremos contas das palavras ociosas que falamos, mas também dos silêncios ociosos* que praticamos.

Então, pai, parabéns!
São 70 anos de desafios, batalhas, tristezas, perdas, conquistas, vitórias, alegrias.


Eu o amo muito e quero viver muitos dias com o senhor. Sua vida é uma âncora para minha família e a certeza de que Deus nos ama com o amor de Pai.



Adna S. Barbosa








__________________
* Expressão usada por J.R. Miller


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1 comentários

  1. Adna, Parabéns pela bela crônica sobre seu querido pai, Pastor Joel Teixeira, que Deus continue te abençoando e dando sabedoria cada dia! Deus abençoe! Sua mãe: Dinah Souza

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