Quando a casa se esvaziou do trabalho e do... amor!

10:58:00


Uma continuação da conversa sobre o trabalho e a história da mulher.
Para ler a primeira parte clique aqui.



Como vimos anteriormente, as casas eram uma unidade econômica, uma espécie de "centros de produção" em miniatura. E nesse empreendimento familiar, todos trabalhavam juntos, homem e mulher, filhos, parentes e agregados (veja a saga O Amor Vem Devagar. Você terá uma noção de como a vida funcionava). Todos viviam e trabalhavam no lar e isso exigia uma variedade de habilidades como: cozinhar, lavar, varrer, arrumar, tecer, cuidar dos campos, animais etc. Elas eram tudo, menos ociosas. Viviam e estavam bem ocupadas no lar. Além dos cuidados com o lar, as mulheres eram as responsáveis pela caridade: cuidar dos enfermos, dar abrigo aos solitários.

Essa caridade começava sempre no lar. Como unidade autônoma, a família tinha liberdade para fazer dos seus bens o que quisesse. O décimo terceiro salário, por exemplo, era um presente dado pelo chefe da casa ao trabalhador da família. Não era obrigado. Com o passar do tempo, tornou-se uma prática comum, até chegar ao ponto em que tornou-se obrigatória. Mas o que somos obrigados a fazer deixa de ser presente, dádiva, caridade. O benefício, como nos ensina o apóstolo Paulo, não pode ser por força, mas voluntariamente (Fm 1.14).

As famílias mais ricas, muitas vezes, nutriam uma relação de cordialidade com seus trabalhadores/servos, e por vezes, dar uma carta de alforria era como ser demitido de um bom emprego. Receber o atestado de liberdade era, muitas vezes, ter que enfrentar uma vida solitária e errante. Leia os livros de Liév Tolstói e entenderá o que era ser um escravo em família amável. É uma pena que só nos passaram os maus exemplos da história. Em todo o tempo, existiram bons e maus patrões, assim como bons e maus servos. Não é sem razão que as cartas endereçadas às igrejas, quando orientam quanto às relações interpessoais, colocam em pé de igualdade tanto servos, como senhores, tanto escravos, como livres. Você pode ler e fazer um estudo da carta de Paulo a Filemon. Nela, você encontrará um escravo fugitivo, Onésimo, que tenta voltar à servidão do seu senhor. 


Em 1 Coríntios 7.20-22, o apóstolo Paulo deixa claro que a servidão não deveria ser motivo de angústia, antes poderia ser usada para a glória de Deus. O objetivo do Cristianismo, segundo Paulo, não era provocar diferença ou guerra de classes, nem derrubar ou criar instituições políticas e sociais existentes, mas, dar-lhes novos princípios para a vida. Como nos ensinou Ellicott: "ele [Paulo] não propôs abolir a escravidão, mas cristianizá-la;  e quando a escravidão é cristianizada, ela deixa de existir. A escravidão cristã é liberdade". Percebe o mistério da liberdade cristã? Ela não depende de condições sociais, antes, é um estado da alma. O Cristianismo é o único que pode fazer de um desconhecido, um bem conhecido de Deus - e isso é o que nos basta como homens. O Cristianismo faz  de um quase morto, em vivo para sempre, de um entristecido segundo o mundo, em um ser sempre alegre (consegue lembrar daquele porteiro espalhafatoso, que sempre cumprimenta a todos com alegria? Ou daquela senhora assalariada que sempre sorri e tem uma palavra de consolo? Sim, são destes cristãos que Paulo fala). Os cristãos, mesmo sendo pobres, são os que enriquecem a seus senhores, pois eles, talvez, nada tenham no mundo, mas possuem tudo em Cristo (2 Co 6.9-10).

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Voltemos ao lar. Vejam, então, que a casa era lugar de repouso, trabalho e crescimento: uma empresa qualificada. Todos, do servo ao patrão, da mulher ao homem, faziam parte de uma engrenagem que funcionava. Neste lar, o trabalho da mulher era complementar ao trabalho do homem. A mulher cumpria exatamente a função para a qual fora feita: era uma ajudante do seu marido, trabalhando lado a lado com ele. Dos trabalhos mais pesados ela estava protegida. Desta forma, a mulher sempre esteve envolvida em trabalhos além da maternidade propriamente dita. Ela era mãe, mas também era enfermeira, professora, médica, contadora, analista, agropecuarista, economista. Quando as coisas apertavam, elas eram habilidosas o suficiente para ajudar o marido em algum outro trabalho (veja a saga "O Amor Vem Devagar", no link ao lado). Por isso, ninguém questionava o valor da mulher ou a importância do seu papel no lar. Uma boa mulher era essencial para o funcionamento da vida! Por isso, ter uma esposa era encontrar "algo excelente, era como receber uma bênção do Senhor" (Pv 18.22). É assim que a "machista" Bíblia trata as mulheres! (E é por isso que eu prefiro o "patriarcalismo" da Bíblia do que o feminismo do mundo).

O que levou algumas mulheres a desejarem sair dos seus lares não foi a opressão do lar, como afirmam algumas, mas o ócio e a separação de projetos e trabalhos entre os cônjuges. Depois da Revolução Industrial e da descoberta da pílula anticoncepcional, os trabalhos no lar foram substituídos pelas máquinas, e os filhos, evitados pelas pílulas. Estes foram fatores importantes para o deslocamento da mulher. Sem filhos e com tempo livre, sentiam-se sozinhas, inúteis, vazias. E então, o mercado de trabalho pareceu promissor. Por outro lado, as que permaneceram nas casas com os filhos, tiveram que suportar a separação brusca dos seus esposos, não somente fisicamente, mas uma separação que envolvia o projeto pessoal de vida. Homem e mulher seguiram por caminhos distintos, e a ausência do chefe da família deixou a cabeça do corpo familiar descoberta (em outro momento falarei sobre como a atitude do homem influencia a santidade e escolhas da mulher).

Daí começaram os movimentos de emancipação das mulheres. Algumas foram trabalhar nas fábricas, em condições completamente insalubres. Outras, começaram a espernear porque não se sentiam economicamente produtivas no lar, situação jamais pensada no tempo em que as mulheres geravam filhos, educavam, teciam, plantavam, colhiam, fabricavam medicamentos, velas e tudo o que precisavam para a vida. 

Na verdade, a ociosidade e a fartura de comida - as fábricas começaram a produzir os alimentos e estocá-los -  é uma combinação explosiva para o rompimento das normas éticas e morais da vida. O profeta Ezequiel nos revela que este foi exatamente o pecado que tornou Sodoma um amontoado de cinzas:

Deus alertou seu povo sobre isso, antes da entrada na terra que manava leite e mel:

Vejam como a falta de trabalho e o estoque de bens e alimentos alimenta o pecado mais perverso do homem: sua soberba. Ora, não foi esse o pecado de Lúcifer? No entanto, o que ouvimos do mundo é: "trabalhe para juntar dinheiro para você mesmo e depois, presenteie a você com viagens, comidas, prazeres". Ajudar necessitados? Socorrer o pobre? Não, isso não consta nos planejamentos. De trabalho e socorro ao cansado, as pessoas passaram ao cultivo da soberba e descaso com seu semelhante.

Mas cuidar dos desfavorecidos é o que abre as janelas da bênção da prosperidade. Deus alertou seu povo sobre isso, antes da entrada na terra que manava leite e mel:


E ter uma família só ajuda nesse ciclo de bênção. Mas não é isso que ouvimos hoje.


Mudança de Foco
Desde aqueles tempos, então, o trabalho mudou de foco. Em vez de ter como finalidade o firme propósito de suprir as próprias necessidades do homem e a de seus semelhantes, em vez de ser um meio para a boa convivência entre as pessoas, passou a ser um fim em si mesmo e no próprio bem-estar. Hoje, muitas mulheres com boas intenções, submersas em uma cultura anti-criança e anti-família, acabam navegando nas correntes deste rio: casam-se, tomam conselhos com médicas (em sua maioria, feministas) e já são levadas a fazer o planejamento familiar. "Você precisa de, pelo menos, dois anos para aproveitar o casamento e juntar dinheiro", dizem os palpiteiros. E as jovens embarcam nessa conversa. Passam-se os anos e a coragem para ter filhos é cada vez menor. "Preciso terminar a faculdade, o mestrado, o doutorado. Preciso comprar a casa, o carro, o cachorro...". E o filho fica sempre pra depois. Ocupamos o tempo com atividades que não exigem compromisso além de nós mesmas e nos esquivamos do dever conjugal, estabelecido por Deus, de gerar filhos.


Com isso, a casa também ganhou um novo significado social: ela já não é uma unidade econômica, mas um lugar para descansar, assistir TV, ficar sem fazer nada... E então, depois do trabalho, tudo o mais foi ganhando espaço fora de suas portas: educação, alimentação, lazer, vida devocional. O lar deixou de ser o centro da família para ser um dormitório; deixou de ser o caminho que une duas vidas para ser o lugar de separação de atividades. Hoje, cada qual tem a sua TV, seu banheiro, seu lugar de estudo, seu cantinho. Antes, a cozinha era o centro da casa, e a mesa era grande para comportar alimentos e pessoas, frente a frente. Hoje, são tão minúsculas que mal dá para comportar duas pessoas. As mesas, são presas nas paredes, e os integrantes da casa comem olhando para o concreto. Não, isso não é um lugar para a convivência. É curioso ver como a decoração das casas foi transformada para dar um lugar de honra à TV, por exemplo. As famílias não mais se sentam na sala de estar, para "estar", ou seja, conversar, olhar o rosto do outro, cantar, adorar a Deus, mas sentam-se para assistir a TV. Os móveis estão dispostos de certa forma que impede até mesmo que olhemos a face do outro! (Veja as imagens abaixo).


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E quando a casa muda o seu significado, as relações fora dela também ganham novos contornos. O trabalho, antes pessoal e quase familiar, passa a ser impessoal e baseado no salário. Homens são separados de suas esposas, deixando para elas uma casa esvaziada de tarefas importantes, e ainda o encargo de educarem, sozinhas, seus rebentos. Os papeis masculinos e femininos foram, então, redefinidos. A função paternal foi uma das mais prejudicadas. O homem líder, cabeça e sacerdote do lar cedeu espaço para a solitária liderança feminina. Disciplina, instrução, ensino - toda a atividade formativa das crianças - foram entregues às mães. A mulher deixou de ser produtiva economicamente, enquanto assumia todo o encargo da criação dos filhos. Deste modelo vem tudo o que conhecemos hoje: pais ausentes, mães enfadadas, vida no lar relegada a um lugar inferior e vida pública almejada como uma conquista a ser perseguida. 


Todas as outras funções foram, pouco a pouco, sendo transferidas para instituições até chegar ao que hoje conhecemos como a era da profissionalização. Para as mínimas coisas há sempre um profissional mais habilitado que você. Até aquele trabalho benevolente deixou de ser exclusividade das famílias nucleares para alcançar a esfera fora do lar: associações de caridade e sociedades benevolentes começaram a ser formadas pelas mulheres e o espaço público passou a ser o lar. Com isso em mente, fica mais fácil entender seus desdobramentos: as Anas Júlias da vida (clique aqui para ler), ou seja, os jovens que desconhecem espaços privados e familiares, porque nunca os tiveram.

Claro que os primeiros trabalhos não carregavam as motivações feministas egoístas, pelo contrário, reforçavam justamente as diferenças entre homens e mulheres, dando a elas a função do cuidado, sensibilidade e piedade amorosa, justamente as mesmas características daquele trabalho benevolente feito em casa. Leis foram criadas para proteger as mulheres do trabalho pesado das fábricas. Mas as coisas vão mudar ainda mais. Pecados acalentados secretamente, separação de atividades, vidas autônomas, competitividade vão secularizar nossa cultura de tal modo que os valores transcendentes serão suprimidos, e seus desdobramentos acabarão por valorizar a esfera pública em detrimento da privada.


O mundo cada vez mais enaltecia a ciência e a indústria. E não demorou até que surgissem teorias "científicas" que substituiriam a verdade e a moralidade cristã. Nancy Pearcey revela: "após a publicação da Origem das Espécies de Charles Darwin, em 1859, o evolucionismo assumiu a Biologia e as Ciências Sociais. Com seu materialismo implacável, o darwinismo minou a confiança em quaisquer verdades transcendentes. Se a casa representava os valores ultrapassados ​​de piedade e religião, então a própria casa era uma instituição ultrapassada".

O darwinismo social foi um dos responsáveis pela desvalorização do trabalho no lar. Herbert Spencer, darwinista social, afirmava que os homens evoluíram mais rapidamente porque precisavam lutar de forma bruta no mundo, desenvolvendo mais força que as mulheres. No processo de seleção natural, em que os fortes eliminam os mais fracos e inferiores, as mulheres, que permaneciam no lar alimentando os jovens, evoluíam, assim, mais lentamente que os homens. Eles expressavam claramente um desprezo pelo caráter das mulheres e pelo ambiente das mulheres (o lar). E assim, a vida doméstica foi tida como um obstáculo no desenvolvimento evolutivo. A teoria de Spencer tornou a casa totalmente irrelevante para o progresso humano. A luta masculina fora da casa é o motor da mudança. O darwinismo social é, portanto, o precursor do feminismo.


Mas, deixaremos isso para a terceira parte. Enquanto isso, oro para que o Senhor traga cativo todo entendimento à obediência de Cristo.

Deus, em Cristo, vos abençoe!

________________________
Adna S. Barbosa



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6 comentários

  1. Que texto rico e incrível. Eu amooo ler aprender como eram as coisas e entender porque estamos do jeito que estamos. Além de tudo o texto ainda índica mais coisas boas. Essa saga que você fala é de livros ou só de filmes? Abraços. Estava ansiosa pela continuação e superou muuuito minhas expectativas.

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    1. Eu estou assistindo, mas sei que tem em livro também. Veja aqui:
      https://www.amazon.com/Love-Comes-Softly-Book/dp/0764228323

      Veja as sinopses aqui:
      http://www.virtuosascomestilo.com.br/2014/08/serie-o-amor-vem-devagar.html

      Um abraço!

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  2. Agora já espero a terceira parte.

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    1. Vai orando! Logo que tiver tempo escrevo a conclusão! Se Deus quiser...

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  3. Olá! Primeiramente, gostaria de dizer que gosto muito dos seus textos e fui abençoada por muitas de suas palavras. Quero também agradecê-la pela indicação da saga Love Come Softly, comecei a assistir essa semana e já estou apaixonada pelas histórias. Quem sabe no futuro você possa escrever sobre ela e assim muitas outras mulheres conheceriam esses filmes apaixonantes. Sem dúvida precisamos de bons filmes femininos.

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    1. Que bênção! Parece ser sempre a primeira vez quando leio comentários como o seu... Minha forças ficam renovadas! Também estou assistindo a esta saga e a cada nova história fico mais apaixonada! Sim, podemos desenvolver uma parte aqui no blog para comentarmos filmes e livros. Aliás, é um projeto que já penso há tempo. Falta-me tempo! Mas Deus sabe de tudo e no tempo certo Ele nos ajudará.
      Um abraço!

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