Parecer: sobre a constitucionalidade da educação domiciliar

11:36:00



A Homeschool Legal Defense Association (HSLDA), por meio de seu diretor internacional, Michael P Donnelly, acabou de dar uma das maiores contribuições à história da educação domiciliar no Brasil: um substancial parecer a respeito da compatibilidade da educação domiciliar com os tratados de direitos humanos, que foi traduzido e será apresentado aos ministros do STF semana que vem. Trata-se de um documento de excepcional qualidade, que poderá fazer toda a diferença no convencimento dos ministros quanto à constitucionalidade da educação domiciliar (Recurso Extraordinário n. 888.815). Agradeço imensamente ao Mike e a toda direção da HSLDA pela inestimável contribuição! Agradeço também a todos que participaram da "vaquinha" para pagar a tradução, realizada com primor pela Marcela Saint Martin!

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   Alexandre Magno 
   Fernandes Moreira
    Procurador do Banco Central do Brasil










Leia o parecer completo aqui:

SÍNTESE DA TESE

O direito à educação domiciliar situa-se no âmbito de toda concepção devidamente compreendida do direito humano à educação. Os pais, bem como a criança, são titulares de direitos que se relacionam com o direito ao ensino domiciliar: os pais têm o poder de dirigir a educação de seus filhos, e os filhos têm o direito a uma educação significativa, inclusive por meios alternativos privados. O Brasil está diante da oportunidade de desempenhar uma notável liderança como sociedade emergente livre e democrática, no tocante a esse importante direito fundamental, em um contexto constitucional, e em reconhecimento dos deveres internacionais assumidos pelo País.

O artigo 26.3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) reconhece a prerrogativa dos pais à escolha do tipo de educação que seus filhos deverão receber. O poder do Estado de determinar que as crianças recebam um determinado nível mínimo de educação não confere ao Estado o poder de impor como esse nível deve ser obtido. Ao passo que os Estados membros da Organização das Nações Unidas têm a faculdade de criar sistemas educacionais para garantir que todas as crianças sejam educadas, não podem eliminar as demais formas de educação, uma vez que isso violaria a prerrogativa dos pais à escolha do tipo de educação que os filhos devem receber.

Diversos instrumentos sobre direitos humanos impõem ao Brasil o dever de proteger o direito à educação, incluindo o direito à educação em casa. O artigo 18.4 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) determina que os Estados Partes respeitem a liberdade religiosa dos pais na decisão sobre a educação religiosa e moral de seus filhos, direito ao qual o artigo 4.2 do PIDCP confere caráter inderrogável. O artigo 13 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) vai mais além, reconhecendo o direito individual de escolher para os filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas. O direito ao ensino domiciliar é abrangido pelas disposições do artigo 13 do PIDESC, como fartamente demonstrado pelo relator especial das Nações Unidas em sua avaliação sobre o direito à educação na Alemanha.

O PIDESC garante o direito de indivíduos e grupos de criar e dirigir instituições de ensino. A educação em casa e o ensino à distância por meio de tecnologia de ponta são opções educacionais válidas, particularmente importantes em regiões economicamente desfavorecidas, que, de outro modo, não teriam condições de garantir o direito da criança à educação. O simples fato de uma criança ter nascido em uma região desfavorecida economicamente, com poucas opções de educação “tradicional”, não significa, nem poderia significar, que ela será privada do seu direito a uma educação relevante. O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e outros instrumentos protetivos de direitos humanos garantem o direito dos pais de buscar meios alternativos para educar seus filhos, inclusive por meio do ensino domiciliar.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC) resguarda o direito da criança à educação e determina que o poder público incentive o desenvolvimento de diferentes formas de educação, tornando-as acessíveis a toda criança. O direito a formas alternativas de educação tem claramente o propósito de garantir o direito 1) à melhor educação disponível e 2) a uma educação significativa, ainda que a criança viva em uma região deficitária em instituições educacionais de qualidade. A proibição do ensino domiciliar contraria as obrigações assumidas na Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) no sentido de garantir que a criança tenha acesso a uma educação de boa qualidade e, assim, à proteção efetiva do seu direito à educação.

As obrigações internacionais assumidas pelo Brasil permitem que o País regule seu sistema educacional, mas há uma clara proibição de que formas alternativas de educação sejam completamente eliminadas. O Brasil pode estabelecer padrões educacionais mínimos, mas não pode impor uma proibição absoluta a determinadas formas de educação.

Várias jurisdições internacionais reconhecem o direito ao ensino domiciliar. Os Estados Unidos resguardam o direito à educação em casa nos níveis estadual e federal. Muitos estados americanos entendem que as famílias praticantes desse tipo de ensino teriam constituído suas próprias “escolas” com a finalidade de atender aos regulamentos educacionais aplicáveis.
Igualmente, vários Estados em todo o mundo autorizam a educação em casa. Conquanto os sistemas regulatórios sejam diferentes entre si, esse fato comprova que os Estados têm a flexibilidade necessária para determinar a maneira ideal e mais eficiente de permitir que os cidadãos exerçam seus direitos humanos.
Na avaliação do caso em tela, esta Corte não deve acolher como precedente válido a revisão da decisão exarada pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (TCFA) no caso Konrad vs. Alemanha, revisão levada a cabo pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), pois isso implicaria graves prejuízos à proteção dos direitos humanos. No caso alemão In Re Konrad, o TCFA aplicou o controle de proporcionalidade para concluir que o ensino domiciliar deveria ser proibido, ao argumento de que o Estado deve impedir o desenvolvimento de sociedades paralelas. Entretanto, em suas razões, o TCFA partiu da premissa de que esse interesse seria relevante no contexto do ensino domiciliar. O TCFA presumiu indevidamente, sem provas e apesar de provas em contrário, que a educação domiciliar contribui para o desenvolvimento de sociedades paralelas. Evidências empíricas disponíveis contradizem claramente essa premissa. Estudos revisados indicam que estudantes educados em casa tendem, na verdade, a ser mais tolerantes quando confrontados com opiniões diferentes. Uma vez que questões importantes de política pública não devem ser decididas com base em estereótipos refutados por dados científicos verificáveis, esta Corte deve rejeitar o entendimento adotado pelo TCFA no caso In re Konrad, bem como a revisão do mesmo caso levada a termo pela CEDH.

Ademais, a existência de outros sistemas regulatórios que autorizam a educação domiciliar indica claramente que não é necessário proibir o exercício desse tipo de ensino para garantir os interesses estatais legítimos em jogo. Muitas nações em todo o mundo autorizam a educação domiciliar, sem que isso tenha resultado na emergência de sociedades paralelas. Por fim, a proibição do ensino em casa é evidentemente uma medida desproporcional, ainda que se presumam existentes todos os benefícios hipotéticos alegados pelo Estado. Desse modo, a proibição do ensino domiciliar pelo Brasil viola três dos quatro critérios do controle de proporcionalidade, infringindo assim os direitos dos pais e da criança.

A proibição da educação domiciliar não se situa no âmbito da margem de apreciação em torno do direito à educação. Os direitos que fundamentam o direito à educação domiciliar são inderrogáveis, nos termos do PIDCP (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) e do PIDESC (Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), sendo, portanto, inteiramente inaplicável a teoria da margem de apreciação nesse contexto. Entretanto, ainda que fosse aplicável a margem de apreciação, esta jamais pode ser utilizada para eliminar na totalidade o exercício de um direito, sendo, portanto, inadmissível a proscrição do ensino domiciliar.

A CEDH (Corte Europeia de Direitos Humanos) alegou, no caso Konrad, inexistir um consenso internacional acerca do estatuto jurídico da educação domiciliar, entendimento hoje superado. As nações que ainda proíbem essa modalidade de ensino encontram-se na contramão da História, uma vez que a evolução do posicionamento da comunidade internacional dos direitos humanos resultou na inclusão do direito ao ensino domiciliar como uma alternativa à educação ministrada pelo poder público.

Dado que a educação domiciliar é um direito humano na acepção do artigo 18.4 do PIDCP (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) e do artigo 13 do PIDESC (Pacto

Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), o Brasil deve reconhecer que o direito a essa modalidade de educação integra as obrigações internacionais assumidas pelo País.

Por último, tem-se comprovado que o ensino domiciliar é benéfico, tanto do ponto de vista acadêmico quanto do ponto de vista social, às crianças que finalizam seus estudos.

Pesquisas científicas e a experiência cotidiana nos Estados Unidos demonstram que os estudantes educados em casa integram-se bem à comunidade e são membros produtivos da sociedade. Os

Estados Unidos contam com mais de quarenta anos de experiência de educação domiciliar, possuindo a maior comunidade do mundo de estudantes atualmente educados em casa ou que, tendo finalizado o ensino domiciliar, encontram-se já formados.


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